Registros Digitais em Humanidades

Lascaux

Arte rupestre

Página manuscrita do quarto movimento da 9ª sinfonia de Beethoven (1824).

Página manuscrita do quarto movimento da 9ª sinfonia de Beethoven.

Ode à Alegria

Ode à Alegria

Bachianas Brasileiras

Villa-Lobos

Villa-Lobos - Bachianas Brasileiras Nº 2 - IV. Tocata (O trenzinho do caipira) . Minczuk OSB

Villa-Lobos - Bachianas Brasileiras Nº 2 - IV. Tocata (O trenzinho do caipira) . Minczuk OSB

Registros de atividades humanas e o Paradigma Funcionalista

A Ciência rotineiramente recorre a registros cuja relevância como evidência empírica decorre de sua essência física ou biológica, independente do que eles fazem ou podem ser usados para fazer. Acontece que também é plausível que nem todos os registros físicos ou biológicos enquandrem-se nessa categoria. Alguns registros revelam evidências a partir de suas relações com outras coisas, e pelas funções que podem desempenhar. Traçando um paralelo entre o método científico nas Ciências Naturais com práticas nas Humanidades, este último paradigma se impõe com destaque sob o termo de funcionalismo, consistindo em uma teoria sobre a natureza dos estados mentais humanos identificados pelo que fazem, ao invés de pelo que são feitos. Em contraste com o behaviorismo, que vê os estados mentais como externos e observáveis, o funcionalismo preserva a noção de que são estados internos de seres pensantes. Além disso, ao contrário da teoria da identidade, que restringe esses estados a uma única realização material, o funcionalismo aceita sua realizabilidade múltipla. Os registros humanos, sob essa perspectiva, são valorizados não apenas por sua forma física, mas também por seu papel em ilustrar padrões de fenômenos sociais ou psicológicos. Esses registros, seja através de artefatos culturais, textos históricos, ou evidências de comportamento, fornecem um campo para testar hipóteses sobre a natureza e função de nossas práticas e crenças individuais ou sociais.

Exemplos históricos, como as pinturas rupestres em Lascaux, evidenciam a criatividade e expressão artística de nossos antepassados, enquanto as tabuletas de argila com inscrições antigas revelam os primórdios da civilização e a evolução da escrita como instrumento de documentação e comunicação. Registros musicais, como a 9ª Sinfonia de Beethoven e as Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos, testemunham a evolução da expressão musical através de distintos períodos históricos e continentes. Esses exemplos notáveis de registros ao longo dos séculos demonstram a importância atribuída ao conhecimento e ao desejo de preservar nossa história, cultura e identidade, como seres vivos em constante busca por compreender e perpetuar a complexidade do mundo ao nosso redor.

Assim como o método científico nas Ciências Naturais, o paradigma funcionalista nas Humanidades enfrenta os desafios de compreensão da complexidade inerente ao comportamento humano individual e social observando e analisando registros no desenvolvimento e validação de ferramentas teóricas abstratas. Uma distinção frequentemente destacada na comparação com as Ciências Naturais é que a natureza multifacetada dos fenômenos sociais, que entrelaça múltiplos elementos intrinsecamente ligados, dificulta a replicação de cenários para experimentos controlados. Essa complexidade exige uma abordagem que reconheça a riqueza e a diversidade dos registros humanos como fontes de evidências empíricas sobre a condição humana, oferecendo um caminho para desvendar os intricados padrões de nossas vidas sociais e psicológicas.

Registros simbólicos

Os registros simbólicos constituem uma categoria enraizada na capacidade humana de atribuir significados complexos e compartilhados a combinações de símbolos, ultrapassando a mera materialidade para refletir conceitos, pensamentos, crenças e emoções. Esses registros são evidências empíricas fartamente exploradas para entender as nuances das interações humanas, da comunicação e da perpetuação cultural ao longo do tempo. Textos, abrangendo aqueles produzidos em diversas línguas e alfabetos, são emblemáticos dessa categoria, pois codificam o pensamento e a linguagem humana, facilitando uma forma de comunicação que transcende as barreiras temporais e espaciais. Literatura, registros históricos, codificações legais e textos sagrados ilustram a influência profunda dos textos na moldagem das civilizações, refletindo e ao mesmo tempo definindo as estruturas sociais, espirituais e culturais.

Além disso, os registros simbólicos abrangem uma diversidade de expressões culturais que vão muito além dos textos escritos, cada uma portando uma riqueza de significados atribuídos pela sociedade humana. A arte visual, por exemplo, abarcando desde pinturas rupestres a obras de arte contemporâneas, serve como um meio de expressão simbólica, comunicando visões de mundo, valores culturais e estados emocionais através dos tempos. Cada obra de arte carrega em si uma narrativa simbólica, uma visão de mundo presente na mente do artista e interpretada de maneiras diversas por distintos observadores.

Os símbolos e rituais religiosos representam outra categoria significativa dos registros simbólicos, servindo como mediadores entre o mundo material e de práticas da esfera espiritual de uma comunidade. Tais símbolos, sejam eles objetos rituais, textos sagrados ou práticas cerimoniais, todos fundamentais para a compreensão das cosmovisões e das estruturas éticas que orientam as comunidades.

O artesanato, a arquitetura e os monumentos, por sua vez, encarnam registros simbólicos refletindo não apenas estilos artísticos e inovações tecnológicas, mas também prioridades sociais, estéticas, religiosas e políticas de diferentes sociedades. Estas estruturas contam histórias de poder, religião, cultura e tecnologia, estando intrinsecamente ligados ao contexto histórico e geográfico de sua criação.

Meios Digitais

A segunda metade do século XX conheceu o início de um grande salto tecnológico, marcado pela disseminação dos registros em meios magnéticos, óticos e outros ao lado das tradicionais representações simbólicas. Esses meios digitais representam uma significativa evolução em relação às formas de armazenamento mais datadas, permitindo que as representações simbólicas neles registradas sejam codificadas, armazenadas, difundidas, recuperadas e decodificadas de forma automatizada, proporcionando ganhos expressivos na preservação e compartilhamento do conhecimento. A coexistência entre meios digitais e tradicionais no cotidiano do mundo contemporâneo marca a ampla gama de possibilidades para registro e preservação de conhecimentos e informações.

Um momento que merece referência no avanço tecnológico mencionado foi o surgimento do primeiro disco rígido IBM 350 RAMAC. Lançado em 1956 pela IBM, o IBM 350 RAMAC foi o primeiro dispositivo de armazenamento de dados em disco rígido comercialmente viável. Possuía uma capacidade de armazenamento impressionante para a época, podendo conter até 5 megabytes de dados distribuídos em cinquenta discos de 24 polegadas de diâmetro. Esse pioneiro dispositivo abriu caminho para a utilização de discos rígidos em computadores e foi um marco na evolução dos meios físicos digitais de armazenamento.

Disco rígido

Disco rígido

CD

CD

Servidores

Servidores

Desde então, a tecnologia de armazenamento digital continuou evoluindo de forma exponencial. Apareceram as fitas magnéticas, que foram amplamente utilizadas em mainframes e servidores. A seguir, surgiram os CDs (Compact Discs) e DVDs (Digital Versatile Discs), permitindo o armazenamento e a distribuição de dados de forma mais acessível e conveniente para os usuários domésticos. No entanto, com o rápido crescimento da era digital, esses meios físicos começaram a enfrentar limitações em termos de capacidade de armazenamento.

Atualmente, os grandes discos rígidos utilizados nos modernos data centers são a espinha dorsal do armazenamento de dados em escala global. Esses discos rígidos têm capacidades enormes, medindo terabytes ou até mesmo petabytes de espaço de armazenamento, permitindo que empresas e organizações mantenham enormes volumes de dados de maneira segura e eficiente. Esses avanços tecnológicos no armazenamento digital possibilitaram a expansão de serviços baseados na nuvem, o desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial, a análise de grande volume de dados e muitas outras aplicações que moldam o mundo contemporâneo

 

Registros digitais

Registros digitais são registros simbólicos que utilizam apenas dois símbolos em meios físicos de maneira que computadores tornem-se os instrumentos de observação desses registros. A característica fundamental dos registros digitais no mundo contemporâneo está no fato de ampliar significativamente a capacidade de preservar e compartilhar conhecimento, estendendo seu alcance temporal e espacial. Os registros digitais seguem convenções em diferentes níveis de abstração, desde códigos de programação até formatos de arquivo padronizados. Essas convenções possibilitam a interpretação e a decodificação dos dados por sistemas computacionais e softwares específicos, tornando-os compreensíveis para os seres humanos também. Além disso, a facilidade de replicação e distribuição dos registros digitais permite a disseminação global de informações e a colaboração em escala global, criando uma rede interconectada de conhecimento e cultura. Os registros digitais representam uma poderosa evolução das representações simbólicas, proporcionando um novo horizonte de possibilidades para a compreensão coletiva da vida no planeta no qual a tecnologia digital desempenha um papel central. A capacidade de armazenar, processar e compartilhar dados de maneira eficiente e acessível tem impulsionado inovações em diversas áreas do conhecimento humano, transformando a forma como interagimos, aprendemos e nos comunicamos.

Esse contexto de registros digitais de representações simbólicas impulsionou a emergência da área de Humanidades Digitais, na qual técnicas e métodos matemáticos e computacionais são empregados para analisar a vasta quantidade de registros digitais e as informações deles extraídas, e construir formas eficientes de manutenção do legado cultural e do conhecimento. As Humanidades Digitais investigam dinâmicas sociais em escalas variadas, desde indivíduos até agrupamentos sociais numerosos, utilizando abordagens que combinam análises qualitativas e quantitativas. A manipulação de grandes massas de informação complexa é uma característica essencial dessa disciplina, exigindo a utilização de conceitos, teorias e artefatos computacionais sofisticados. Ao explorar os registros digitais de representações simbólicas, as Humanidades Digitais enriquecem o conhecimento teórico e aplicado, aprimorando e aprofundando a compreensão das formas de interação humana em sociedade, em uma abordagem notadamente interdisciplinar.

 

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