Resumos - "A diversidade regional da experiência da Segunda Guerra Mundial no Brasil"
Flávia de Sá Pedreira, UFRN
O Brazil nunca foi ao Brasil: cinema, censura e racismo na Política de Boa Vizinhança
Este projeto de pesquisa dialoga com a recente historiografia brasileira, debruçando-se sobre os limites do ideário da Política de Boa Vizinhança.
As relações interamericanas, a partir de 1933, foram marcadas pela substituição do Big Stick pelo ideário da Política de Boa Vizinhança – ou seja, passava-se de um intervencionismo armado norte-americano nos países latino-americanos à prática de mecanismos de cooptação ideológica, persuasão, além de espionagem.
A criação do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), em 1940, institucionalizou essas práticas de controle, afinal, era uma agência ligada ao Conselho de Defesa Nacional dos EUA. Sua Divisão de Comunicações controlava imprensa, rádio, cinema, informação e propaganda nos países ao sul do continente, que deveriam seguir o modelo do American Way of Life. A partir da entrada dos EUA na II Guerra Mundial, a bandeira da colaboração com os países aliados passou a ser obrigatória, em prol do “esforço de guerra”.
As trajetórias profissionais de Carmen Miranda, Grande Otelo e Orson Welles, fizeram parte desse processo de relacionamento interamericano. O pioneirismo de Carmen para a ampla divulgação da música popular brasileira nos EUA, sob sua caracterização como baiana estilizada, com atributos tropicais de uma “natureza exuberante” ganhava fama entre os yankees; assim como Orson Welles deveria dar ênfase à “natureza esplêndida” do Brasil em um “grande filme pan-americano”, a convite do governo Vargas: eles seriam dois ícones da Política de Boa Vizinhança.
Grande Otelo, que chegou a atuar com Carmen, quando ela ainda morava no Brasil, foi aclamado por Welles como “o melhor ator da América do Sul”, tendo participado como protagonista nas filmagens iniciais de seu filme It’s All True (1942), cujo enredo focava o Carnaval carioca, nos morros e na Praça Onze, conhecida como “Pequena África”, berço do samba.
Carmen Miranda, apesar de sua enorme popularidade e fama aqui e nos EUA, sofreu preconceito de classe e de gênero, por ser filha de imigrantes portugueses, morando e convivendo com sambistas negros, pardos e brancos pobres no boêmio bairro da Lapa.
Do Rio de Janeiro, Welles foi à Fortaleza, onde filmou a vida nas comunidades de pescadores cearenses (cenas que dariam luz à epopeia dos quatro jangadeiros, que foram até a capital federal para reivindicar direitos trabalhistas ao Presidente Vargas e que Welles pretendia inserir no seu novo filme). Infelizmente, a reconstituição da chegada da jangada em Copacabana teve um fim trágico: uma onda virou a embarcação e o líder dos jangadeiros morreu afogado.
A atuação de Orson Welles no Brasil contrariava o planejamento oficial do DIP (órgão oficial de censura da ditadura Vargas) e da RKO (empresa de Rockefeller, que o contratara), culminando com sua demissão e retorno aos EUA.
A construção da identidade nacional brasileira, cujos símbolos (o samba, o carnaval e o futebol) foram sendo ressignificados pelo discurso estadonovista, deu-se num processo que também excluiu projetos como o filme inacabado de Orson Welles. As filmagens de It’s All True extrapolavam não só o planejamento oficial, como as temáticas da cinematografia daquela época.
María Verónica Secreto - PPGH | UFF
Commodity de guerra. A borracha amazônica na Segunda Guerra Mundial
Com o ingresso dos Estados Unidos na guerra, foi despregado um plano “econômico” para América Latina. O conflito bélico tinha dificultado o fornecimento de borracha produzida no sudeste asiático. A invasão japonesa à Malásia e o controle sobre as Índias Orientais Holandesas (Indonésia) – as duas produtoras de látex que, desde a segunda década do século XX, tinham substituído o Brasil como grande fornecedor de borracha – agravou o panorama Os Estados Unidos mostraram-se particularmente interessados em fortalecer os vínculos com América Latina com o objetivo de desenvolver a exploração de matérias-primas complementares e estratégicas para a guerra. Na Conferência de Chanceleres, que teve lugar entre os dias 15 e 28 de janeiro de 1942 na cidade do Rio de Janeiro, se definiram as bases da cooperação hemisférica. Nela se consolidou uma lista de produtos estratégicos que os diferentes países do continente deviam produzir para destinar ao comércio com os Estados Unidos. Em 1942, a Commodity Credit Corporation foi designada para negociar contratos sobre muitas mercadorias com exceção das estratégicas como quina e borracha, para essas haveria créditos, agências e acordos especiais. Esta potência abordará os mecanismos da cooperação entre Brasil e Estados Unidos e as formas de exploração da borracha nessa conjuntura tão especial.
Patrícia Costa de Alcântara, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Legislação de Emergência e a Situação de Empregados “Eixistas” nas Páginas da Revista do Trabalho
Criada em 1933, a Revista do Trabalho foi uma publicação mensal que permaneceu em circulação nacional para assinantes até o ano de 1965. Propunha-se a ser um “mensário da legislação social”: seu projeto pareceu antever que, nos anos seguintes, o Estado governaria por inúmeros decretos e leis e que, por isso, seria importante criar um veículo de comunicação que pudesse acompanhar esse processo de evolução normativa. Como as faculdades de Direito brasileiras ainda não possuíam disciplinas voltadas para o que viria a ser a área do Direito do Trabalho, em pouco tempo o periódico tornou-se importante espaço de sociabilidade e formação de profissionais que atuariam num ramo da justiça que estava em construção. Além de divulgar e debater novas leis, jurisprudências e pareceres originados de diferentes regiões do Brasil, a revista publicava textos doutrinários nacionais e internacionais sobre intervenção estatal nas relações econômicas, sociais e de trabalho de diversos países. Os números publicados entre os anos de 1939 a 1945, demonstram que esse diálogo entre acontecimentos internos e externos precisou incluir as adversidades trazidas pela Segunda Guerra Mundial ao campo do trabalho. Enquanto medidas domésticas em curso alteravam significativamente as experiências de grande parte dos trabalhadores, o Brasil posicionava-se ante ao conflito. Uma “legislação de emergência” foi elaborada enquanto alguns direitos trabalhistas foram suspensos em decorrência do confronto. Trabalhadores que não foram convocados para serviços de natureza militar foram concitados a atuar como “soldados da produção” no front interno, marcado pela presença de estrangeiros que passaram a representar perigo potencial para a segurança nacional. Embora textos sobre regularização de trabalhadores estrangeiros ou sobre “nacionalização do trabalho” estivessem presentes na revista desde o primeiro número, a partir de 1942 alemães, italianos e japoneses, foram alvo de debates e regulamentações específicas. O trabalho analisa as mudanças que o contexto beligerante causou na regulamentação e no teor das publicações referentes ao trabalho e à presença de imigrantes no país. Para isso, foram selecionados e analisados textos, pareceres e leis sobre o assunto publicados pela revista ao longo desses seis anos. A partir do estudo é possível identificar aspectos de como os acontecimentos foram instrumentalizados de modo a reconfigurar representações de etnicidade e de identidade nacional segundo o interesse de grupos diversos, dentre os quais o Estado e as elites brasileiras.