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A Política de Boa Vizinhança em tempos de Guerra

Resumos - "Educação, Produção Acadêmica e Boa Vizinhança"

Thiago da Costa Lopes, Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz

Os sociólogos vão à guerra: ciências sociais e diplomacia cultural nas relações Brasil-EUA (1939-1945)

É sabido como, em seu processo de institucionalização universitária nos anos 1930 e 1940, as Ciências Sociais no Brasil foram impactadas pelas chamadas "missões estrangeiras", com professores vindos da Europa e dos EUA. O debate historiográfico sobre a questão ainda carece, todavia, de análises mais sistemáticas sobre as circunstâncias históricas que presidiram as trocas intelectuais internacionais nesse período.
Com base em pesquisa arquivística no Brasil e nos EUA, esta comunicação reúne elementos para uma análise preliminar sobre o modo como a Segunda Grande Guerra influiu sobre as relações Brasil-EUA no âmbito das Ciências Sociais. O período oferece rico material empírico para se pensar como a história dessas disciplinas esteve intimamente entrelaçada à história das relações internacionais e da diplomacia cultural.
Enquanto as Ciências Sociais davam seus primeiros passos nas universidades brasileiras, o governo F. D. Roosevelt iniciava seu conhecido esforço diplomático de aproximação com a América Latina. A iminência de um conflito mundial em fins dos anos 1930, e sua deflagração pouco tempo depois, acabou, todavia, dando novos contornos à Política da Boa Vizinhança. A preocupação de Washington em garantir a "solidariedade hemisférica" contra o avanço da influência das potências do Eixo impulsionou uma forte investida no terreno da colaboração técnica e científica com os países da região. Esse movimento teve implicações decisivas para as Ciências Sociais nas Américas.
A presente comunicação aborda o papel chave que três cientistas sociais desempenharam no plano da diplomacia cultural inter-americana durante a guerra: o antropólogo brasileiro Arthur Ramos e os sociólogos estadunidenses Donald Pierson e T. Lynn Smith. Ramos foi um ator decisivo nos canais de troca que Pierson e Smith buscaram manter com os intelectuais brasileiros ao passo que sua própria carreira se beneficiou do empenho do governo estadunidense em vincular o Brasil à luta global contra o fascismo. A viagem de Ramos aos EUA em 1940 permitiu-lhe o estreitamento dos vínculos com o mundo acadêmico estadunidense, fortalecendo igualmente sua identidade e atuação como antropólogo profissional a partir da Universidade do Brasil (atual UFRJ). No caso de Pierson, a Política da Boa Vizinhança ofereceu terreno propício para que perseguisse, em um processo não destituído de tensões, o ambicioso projeto de institucionalização das ciências sociais no país a partir da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Professor da Universidade Estadual da Louisiana, Smith, por sua vez, participou de missões oficiais ao Brasil em meio aos esforços de guerra e à preocupação dos EUA com a oferta de alimentos e a produção de materiais estratégicos. Suas atividades como analista agrícola vinculado à embaixada americana no Rio de Janeiro em 1941-42 possibilitaram ao sociólogo ampliar a rede internacional de interlocutores de sua disciplina, a Sociologia Rural, bem como expandir o universo empírico (as comunidades rurais) posto à disposição de seus praticantes nos EUA.
Concentrando-se nas viagens de Smith, a comunicação examina não apenas como seu empenho em fomentar o intercâmbio acadêmico esteve relacionado aos esforços de guerra mas também como suas visões sociológicas substantivas sobre o Brasil dialogaram com o imaginário geopolítico e os receios desencadeados pelo conflito mundial.

Adriana Mendonça Cunha, Fiocruz

Relações interamericanas e intercâmbios educacionais em tempos de guerra: as viagens de Robert King Hall ao Brasil (1940-1942)

Este trabalho aborda as viagens do pesquisador estadunidense Robert King Hall ao Brasil entre 1940 e 1942. Cursando o doutorado em educação comparada pela Universidade de Michigan (UM), Hall investigava o controle federal do ensino secundário em três repúblicas latino-americanas: Argentina, Brasil e Chile. Em 1940, conseguiu uma bolsa para uma estada de seis meses no Brasil através do Brazilian Fellowship Program, firmado entre a UM e o Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU). O objetivo do programa era promover o intercâmbio educacional entre os dois países e sua criação acompanhava as mudanças na política externa dos Estados Unidos voltada à América Latina nos anos 1930. Preocupado com a intensificação das relações entre a Alemanha nazista e países do continente, o governo estadunidense procurava estreitar os laços econômicos, políticos e culturais com os latino-americanos por meio da chamada Política da Boa Vizinhança. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a diplomacia cultural se tornou um instrumento decisivo para conter a influência do Eixo na região. Foi nesta conjuntura que Robert King Hall empreendeu suas investigações sobre a educação latino-americana. Quando chegou ao Brasil, em 1940, o país havia se tornado o foco da política externa estadunidense. A abundância de materiais estratégicos, as relações comerciais e culturais mantidas com a Alemanha e a presença marcante de imigrantes do Eixo eram elementos cruciais para os interesses do governo Roosevelt, que desejava fazer do país o principal aliado dos Estados Unidos no continente. Interessado em discutir o papel da educação na formação de regimes autoritários, Hall estudou as reformas do ensino secundário organizadas pelo governo Vargas. Chamou também sua atenção o processo de nacionalização dos estrangeiros promovido pelo Estado Novo (1937-1945). Não por acaso, ele visitou regiões de colonização alemã e japonesa nos estados de São Paulo e Santa Catarina para observar as reformas que ali estavam sendo implementadas. A região, marcada pela forte presença de população oriunda dos países do Eixo, era vista não só como um entrave aos projetos nacionalistas de Vargas, mas também como uma ameaça à segurança interamericana. O tema despertou o interesse de Hall, que via no idioma um elemento importante para conter o avanço do Eixo no continente. A obrigatoriedade do uso do português promoveria a nacionalização dos imigrantes que viviam no Brasil, tornando-os, de fato, cidadãos brasileiros. Ao mesmo tempo, Hall chamava a atenção para a importância da difusão da língua inglesa para a promoção dos intercâmbios entre Estados Unidos e América Latina. Atuando junto a Commission on English Language Studies, patrocinada pela Fundação Rockefeller e vinculada à Universidade de Harvard, Hall retornou à América Latina em 1942, para desenvolver atividades relacionadas a este tema na Argentina e no Brasil. Ao analisar as observações, os encontros e as redes construídas por Hall durante estas viagens, procurei demonstrar como elas foram cruciais não apenas para a conformação de sua trajetória como especialista em educação comparada, mas para sua atuação como intelectual alinhado aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos na construção de sua hegemonia durante e após a guerra.

 

 

Talita Emily Fontes da Silva, PPGHCS/ COC/ Fiocruz

Nas margens da boa vizinhança: o Instituto Brasil-Estados Unidos e os entraves da diplomacia cultural estadunidense (1939 – 1941)

Esta comunicação tem por objetivo discutir o oscilante posicionamento da diplomacia cultural estadunidense entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1940, tomando como objeto de análise a trajetória do Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU) em seus primeiros anos de atuação. Discutiremos como as dificuldades enfrentadas pelo Instituto, inaugurado em 1937, e as articulações que se sucederam para garantir a sua permanência, ilustram as tensões, os dilemas e a pluralidade de atores envolvidos na montagem e na execução de ações no âmbito das relações culturais, em meio ao fortalecimento do discurso da boa vizinhança. O marco inicial de nossa análise é o ano de 1939, momento em que o IBEU, após dois anos de existência, enfrentava dificuldades para obter fontes sólidas de financiamento. Foi neste período que o escritor Levi Carneiro, atuante presidente do Instituto, publicou um breve relatório no qual, apesar de exaltar a relevância da iniciativa, apresentou um diagnóstico desfavorável quanto a continuidade da organização. Sendo uma entidade não- governamental a fim de “promover, por todos os meios convenientes, a expansão das relações culturais entre o Brasil e os Estados Unidos” o IBEU foi constituído tendo como um dos combustíveis fundamentais os ventos favoráveis da integração pan-americana, protagonizada pelos Estados Unidos, que até aquele momento teve como uma das principais expressões a Convenção para a Promoção das Relações Culturais Interamericanas, chancelada na Conferência de Buenos Aires (1936). Entretanto, a expectativa de canalizar alguns dos projetos e promessas estabelecidos em Buenos Aires converteu-se em cobranças e frustrações. Ao passo que o IBEU e suas mesas diretoras, assim como a própria Embaixada estadunidense situada no Rio de Janeiro, cobravam apoio oriundo do Departamento de Estado, em Washington D.C. a recém-inaugurada Divisão de Relações Culturais iniciava suas atividades timidamente, com baixo orçamento e sob um tom de improviso que se somava a uma série de dúvidas acerca dos limites de atuação do setor. O próprio Secretário de Estado Cordell Hull afirmava que a Divisão, criada em 1938, consistia em uma iniciativa totalmente nova e sem precedentes para guiar seus planejadores (ARNDT, 2005, p. 65). Em vista a este contexto, nosso objetivo é evidenciar, a partir dos debates que envolveram a manutenção das atividades do IBEU, como entre o discurso da boa vizinhança e a prática, a diplomacia cultural estadunidense nas margens da emergência da guerra esteve situada em um campo repleto de dúvidas e imprecisões, estando sujeita a pressões e insatisfações locais.