Representações Simbólicas

Registros são vestígios tangíveis deixados por fenômenos ou acontecimentos que, uma vez ocorridos, se tornam intangíveis na realidade presente. Vale lembrar que a denominação de tangíveis aqui empregada não afasta a possibilidade de esses registros requererem instrumentos específicos ou técnicas avançadas para serem acessados. Em qualquer caso, o papel de evidência empírica desempenhado por um registro advém de outro elemento intangível: a informação expressa por alguma forma de representação simbólica. Essas representações simbólicas atuam como elos entre o palpável, o registro deixado, e o efêmero, o fenômeno ou acontecimento já ocorrido. Ao serem duradouras, essas formas de expressão transcendem o tempo e o espaço, conectando gerações e ultrapassando fronteiras geográficas. É importante, no entanto, ressaltar que os registros, por si só, não são os fenômenos ou acontecimentos originais, mas sim marcas ou impressões deixadas por eles. Contudo, essas marcas ou impressões, isoladamente, não constituem evidências empíricas até que as expressões simbólicas nelas contidas sejam interpretadas, transformando-as em informação compreensível. Através de representações simbólicas, os registros estabelecem conexões entre diferentes domínios simbólicos, buscando traduzir a complexidade dos fenômenos e acontecimentos passados em formatos abstratos, permitindo-nos acessar e investigar aspectos da realidade.

A essência da expressividade em uma representação simbólica transcende os próprios símbolos utilizados, residindo profundamente na maneira pela qual esses símbolos são orquestrados e combinados. Individualmente, cada símbolo carrega consigo um fragmento de significado ou uma unidade básica de informação. No entanto, é a articulação desses símbolos, seguindo conjuntos específicos de regras — as quais podem ser tanto formalmente definidas quanto intuitivamente compreendidas —, e dentro de contextos particulares, que amplifica seu potencial de expressão. Tal processo de combinação não se faz ao acaso; é regida por padrões específicos e normas que são compreendidos e reconhecidos, possivelmente com alguma ambiguidade, a condição de ser estar familiarizado com o sistema simbólico em questão. Por exemplo, na linguagem escrita, as letras do alfabeto são os símbolos básicos. Quando combinadas seguindo regras gramaticais e sintáticas, elas formam palavras e frases que transmitem significados específicos. Similarmente, na música, as notas são os símbolos, e a forma como são sequenciadas e harmonizadas conforme teorias musicais gera composições que podem evocar uma ampla gama de emoções e narrativas.

Essa interação entre símbolos e regras (lembrando, formais ou intuitivas) estabelece o que conhecemos como uma linguagem. Portanto, uma linguagem se distingue não apenas por ser uma coleção de símbolos, mas por ser um ecossistema dinâmico que engloba regras de gramática, sintaxe e semântica. Essas regras, ao orientar a combinação dos símbolos, constituem um meio pelo qual a comunicação de conceitos, sentimentos e informações de diversas naturezas se realiza. Um aspecto a sublinhar é que a flexibilidade nas regras, se presente em uma linguagem, e a riqueza dos contextos em que são aplicadas podem produzir significados com nuances de ambiguidade, abrindo espaço para interpretações que desafiam a compreensão estrita e absoluta. A habilidade de uma linguagem de não apenas codificar significados precisos mas também de evocar interpretações variadas confere um caráter desafiador à análise de registros como evidências empíricas pois compreender uma representação simbólica requer mais do que simplesmente reconhecer os símbolos empregados; demanda um entendimento das regras que governam sua combinação e dos contextos nos quais essas combinações ocorrem. Esse princípio é fundamental em todos os campos que utilizam representações simbólicas, desde linguagens naturais e matemáticas até sistemas de notação musical e linguagens de programação de computadores.

O conhecimento humano também deve seu desenvolvimento às representações simbólicas. A combinação de compreensibilidade e durabilidade torna essas representações simbólicas poderosas ferramentas para a comunicação e preservação do conhecimento humano. Desde tempos remotos, nossos ancestrais utilizaram diferentes formas de representações simbólicas para registrar sua história, cultura e crenças, garantindo que seu legado perdurasse ao longo dos séculos. Entre essas representações, encontramos as pinturas rupestres, que foram registradas em paredes de cavernas e rochas, criando um elo duradouro entre o passado e o presente. Os hieróglifos, por sua vez, foram inscritos em monumentos e em papiros no Antigo Egito, preservando conhecimentos e narrativas que ecoam através do tempo. Além disso, os sistemas de escrita, como o desenvolvido pelos sumérios, encontraram seu suporte material em tabuletas de argila, transmitindo informações essenciais para a compreensão da civilização antiga. Esses meios físicos, ao carregarem as representações simbólicas, se tornaram fundamentais para a disseminação do conhecimento, permitindo a interpretação desses registros pelos povos de diferentes épocas e culturas. Essa capacidade humana de interpretar essas formas de expressão simbólica nos ajuda a desvendar a complexidade do mundo ao nosso redor, mantendo viva a chama do conhecimento e perpetuando a riqueza da vida em todas as suas formas e manifestações.

Hierarquia de Representações Simbólicas

As Humanidades Digitais, como campo de estudo interdisciplinar, encontram seu objeto de trabalho essencial em registros digitais. Os significados presentes em registros digitais são construídos com uma hierarquia de representações simbólicas, mediada por computadores. A análise desses significados fundamenta-se nas formas simbólicas empregadas em cada nível da hierarquia. A forma pela qual as representações simbólicas em registros digitais expressam significado segue convenções em diferentes níveis de abstração, que vão desde os fenômenos físicos utilizados para representar bits até códigos em linguagem de programação ou outros formatos de arquivo padronizados. Essas convenções possibilitam a interpretação e a decodificação das representações simbólicas por sistemas computacionais e softwares específicos, tornando-as compreensíveis, em maior ou menor grau, também para os seres humanos. Em uma hierarquia de representações simbólicas, cada nível organiza as informações disponíveis no nível inferior em estruturas em um nível consecutivo mais alto (ou pelo menos diferente) de abstração, passando a expor informações que são, por sua vez, utilizadas pelo nível superior seguinte na hierarquia. Nessa cadeia, há um elo que conecta  cada par de níveis de representação por meio de uma relação que associa a representação simbólica do nível inferior, e consequentemente seus significados, a uma representação simbólica do nível superior, também com seus próprios significados. Dessa forma, o significado expresso em um certo nível pode não ser perceptível em um nível inferior. A hierarquia de representações simbólicas é uma estrutura fundamental que permite a organização e interpretação de informações presentes em registros digitais em diferentes níveis de detalhe e abstração.

Embora não se possa falar de uma hierarquia única seguida em todos os casos e situações, podemos estabelecer, a título de clareza na exposição, uma hierarquia a ser utilizada na continuação de nossa explanação dos elementos constituintes de transformação de sinais eletrônicos em informação. Essa hierarquia de representações simbólicas é definida por níveis e elos que os conectam, sendo cada elo correspondente a uma relação que é implementada diretamente em circuitos eletrônicos ou em programas de computador. Dessa forma, a transformação de representações simbólicas dentro da hierarquia pode ser realizada por computadores. Nessa nossa hierarquia, digamos, experimental, os níveis seriam definidos segundo o conjunto de símbolos utilizados da seguinte forma:

  1. Nível físico: cartões perfurados ou fitas magnéticas, mudanças de cor em discos óticos ou códigos de varredura, a serem interpretados como sequências de bits.
  2. Nível binário: emprega apenas dois símbolos, 0 e 1, representados em bits (binary digits). Sequências de bits que organizam as informações do meio físico.
  3. Nível octeto: subsequências de octetos (unidades de oito bits), tendo como símbolos todos os possíveis números binários com oito dígitos.
  4. Nível de caracteres: sequência de caracteres de um alfabeto específico, geralmente mais amplo que o alfabeto do nível octeto.
  5. Nível de aplicação: fluxo de caracteres que distinguem diferentes elementos constituintes do significado das informações.
  6. Nível de apresentação: fluxo de caracteres que descrevem as informações e o formato de exibição.

Essa hierarquia de níveis de abstração é característica de muitas tecnologias de informação, não apenas de representações simbólicas. Ela tem paralelos com a idealização estruturalista de linguagens naturais como organizada em níveis fonológicos, morfológicos, lexicais, sintáticos, semânticos e pragmáticos. No caso de uma linguagem natural, diferentes níveis às vezes interagem de formas que entram em conflito com o modelo hierárquico devido a ambiguidades próprias da linguagem. Por outro lado, sistemas artificiais de representação simbólica tendem a seguir mais estritamente uma hierarquia de níveis na qual nenhum nível depende ou interage com níveis diferentes das imediatamente adjacentes. Em um procedimento de recuperação e análise de informações contidas em registros digitais, essa estratificação sem ambiguidades ajuda a limitar a complexidade do procedimento e reduz a probabilidade de erros em sua construção. Na prática, a identificação de informações estão quase todas no nível do caracteres ou acima. Isso ocorre porque: (i) a intervenção nos níveis mais baixos é geralmente efetuada por artefatos eletrônicos confiáveis, e (ii) os formatos de aplicação são projetados para depender apenas do nível de byte.

 

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