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ADUR 45 Anos de Luta

Os alunos entram em cena

Antes de deflagrarem uma greve, no dia 19 de março, os alunos da Rural realizaram várias manifestações, para que a Reitoria recuasse de sua posição de não negociar a volta do professor Walter. Sem serem atendidos, resolveram realizar um ato público no pátio do MEC. Na presença do delegado do MEC, Marcos Almir Madeira, denunciaram as “arbitrariedades cometidas pela Reitoria”, principalmente no caso do Instituto de Agronomia, onde houve corte de verbas e pressões para afastamento do diretor, Doracy Pessoa Ramos, e do vice-diretor, Ary Carlos Velloso.

No dia 17 de março, cerca de mil estudantes reunidos em assembléia no campus, marcaram a greve geral para do dia seguinte. A greve durou 109 dias. O ambiente na Universidade era de terror. O presidente da ADUR, Jair Rocha Leal, antes de decidir comparecer a assembléia dos alunos, por escrito, solicitou permissão do Reitor, que a concedeu.

Em outras universidades, os estudantes estavam em greve: Viçosa (Minas) , Santa Catarina, Fortaleza e nas católicas de Salvador e Recife. Ao que se saiba, no entanto, em nenhum desses casos a atitude da administração fora tão repressiva e punitiva. Esse foi o objeto do comentário do jornalista Adolfo Martins, do Jornal dos Sports:

“(…) ganha contorno mais sério, vista de uma perspectiva maior. No meio educacional, ela expressa os sentimentos de uma minoria que ainda aspira a volta de uma universidade autoritária (para não dizer arbitrária), onde a autoridade é substituída pelo autoritarismo, onde o diálogo e o entendimento dão lugares à pressão e à ameaça.

A situação da Universidade Rural coloca em xeque a própria política de abertura, patrocinada pelo Ministério de Educação e Cultura, no sentido de fazer retornar ao meio universitário, o debate livre, o diálogo permanente, as reivindicações legítimas, sem que a resposta seja a palmatória, nas suas múltiplas manifestações.

O ministro Eduardo Portela, que definia o MEC como o “Ministério da Abertura”, ficara em uma posição, no mínimo, constrangedora. O jornalista citado cobrava um posicionamento oficial e via o caso da Rural como um termômetro para avaliar a consistência da política de abertura patrocinada pelo MEC.

Num ato público realizado na Associação Brasileira de Imprensa, dia 22 de abril, várias associações de docentes das universidades do Rio de Janeiro se solidarizaram com os professores da Rural: Pontifícia Universidade Católica, Universidade Federal Fluminense, Universidade Santa Ursula, Fundação Osvaldo Cruz, Faculdades Integradas Bennet e Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO). Os apoios continuaram se somando, com o apoio de importantes entidades e personalidades do país: Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), parlamentares, Comissão de Justiça e Paz, por intermédio do Dom. Paulo Evaristo Arns, Arquidiocese de Nova Iguaçu, através do Bispo Dom Adriano Hipólito que designou o Padre João para acompanhar o caso. Isto, além dos já mencionados apoios do Ministro, Procuradoria e Delegacia Regional do MEC.

Diante do impasse, o Diretório Central dos Estudantes convocou os pais dos alunos da Rural para uma reunião no dia 7 de maio no Sindicato dos Professores no centro do Rio. Segundo o Boletim Informativo, a reunião contou com a presença de representantes da ADUR, da Comissão de Justiça e Paz de Nova Iguaçu e da Associação dos Amigos de Bairro de Nova Iguaçu. Seguindo a ampla corrente que se formava, os pais dos alunos da Rural divulgaram uma carta de apoio às reivindicações dos estudantes.

No jornal Ultima Hora, o articulista anunciou: Portela: manda ou sai. Comentando os acontecimentos, trascreveu o que disse o Reitor: “O ministro que cuide de segurar a posição dele, que anda muito balançada. Ele manda lá, se puder. Aqui mando eu.”

Nesse ínterim, o consultor jurídico do MEC, Álvaro da Silva Campos, deu parecer favorável a readmissão do professor Walter e censurou os procedimentos da reitoria, pelo “modo inusitado” com que negou o pedido de inquérito feito pelo professor. Por meio de um telex, no dia 15 de abril, o próprio ministro subscreveu o parecer. Além disso, através do seu chefe de gabinete, Hélcio Saraiva, houve uma censura pública ao Reitor e deixou claro que só não intervia diretamente, porque não tinha instrumentos legais para fazê-lo. A administração da Universidade, ao ser comunicada, decretou o recesso escolar.

Segundo o MEC a atuação do reitor da Rural destoava das demais universidades brasileiras, que tinham conseguido, através do diálogo e da procura de soluções, superar os problemas com os estudantes e com os professores. Para o ministro a “Universidade deve ter autonomia para resolver questões internas sem recorrer à elementos estranhos”, leia-se, Polícia Federal. Na mesma manifestação, o ministro rompeu o diálogo com o reitor, declarado como inútil.

No dia 12 de maio de 1980, após o Encontro Nacional Extraordinário das Associações Docentes, em Brasília, os representantes das ADs procuraram o ministro Eduardo Portella. Entre outros assuntos, o ministro afirmou que o reitor da Rural estava desvirtuando o conceito de autonomia universitária. Segundo ele, o reitor procurou “padrinhos”, fora do MEC para fortalecer a sua posição. Como disse:

“Cheguei a avaliar o peso específico de cada um desses padrinhos. Consegui convencer diversos deles. (…) Arthur já tentou falar comigo, mas, para demonstrar o meu desapreço pela sua conduta, eu não o recebi. Se eu tivesse poderes, não há dúvida de que já o teria afastado da Reitoria.”

Na medida exata em que cresciam as pressões externas e interna, a Reitoria se tornava mais agressiva e repressiva. No dia 5 de maio, durante a realização da assembléia dos estudantes, quatro guardas da polícia universitária, armados, impediram a entrada de representantes da imprensa. Alegaram estar cumprindo ordens do reitor em exercício, Vicente de Paulo Graça (vice-reitor). Esteve presente à assembléia o deputado federal Marcelo Cerqueira, em cujo discurso acusou “o autoritarismo e insanidade de uma autoridade universitária que se insubordina ao MEC”. O deputado prometeu intermediar uma audiência com o Conselho Federal de Educação. Apenas com dois votos contrários, a greve foi mantida.

No dia 7 de maio, dois membros do DCE foram à Resende, onde estava o presidente Figueiredo, entregar um carta expondo os problemas enfrentados na Rural. Não conseguiram falar com o presidente, apenas com um de seus assessores, que nada garantiu. No dia seguinte, voltaram a tentar, no Rio de Janeiro, durante uma visita à sede da Cruz Vermelha. A carta foi entregue através de uma repórter da Rádio Nacional.

A Reitoria mantinha um política sistemática de contra-informação, dizendo que a greve era parcial e que muitos estudantes não compareciam às aulas por receio de represálias. Um filme especialmente feito foi enviado para a televisão, mostrando alunos normalmente assistindo uma aula de Topografia (Disciplina extracurricular). No Instituto de Ciências Humanas e Sociais, um professor procurou um grupo de alunos, para assinarem a lista de presença, procurando fazer crer que estavam furando a greve.

Em resposta, os estudantes resolveram organizar uma vigília no pavilhão central da Universidade: “Ocupando o P1, estamos fazendo uso de um local que nos pertence, e no momento, estamos utilizando-o de forma que melhor nos convém”. Durante a vigília, às 9:00 hs da manhã, hasteavam uma bandeira negra a meio-pau.

Mas o que de fato preocupava os estudantes, era a perda do semestre. Sem nenhuma perspectiva de solução para a crise, 45 estudantes viajaram à Brasília, para tentar uma nova intermediação do MEC. Com esse propósito, foi nomeada uma comissão integrada por Raimundo Moniz de Aragão, ex-ministro e ex-reitor da UFRJ, o general João Bina Machado e o desembargador Ney Cidade Palmeiro, reitor da UERJ.

A comissão ouviu os representantes dos estudantes, da Reitoria e dos professores. O presidente da comissão, Raimundo Moniz de Aragão, afirmou não ter nenhuma objeção “a que o professor Walter volte para sua cadeira no Departamento de Produção Animal, mas se eu consigo isso, é outra coisa. O principal obstáculo continua sendo a recusa da Reitoria em aceitar a readmissão do professor.”

Na reunião da comissão com os representantes dos professores Jair Rocha Leal e Antônio Constantino dos Santos apresentarem três alternativas para solucionar a crise, em ordem decrescente de preferência: a) anulação do ato de demissão do professor Walter Motta, com ressarcimento dos prejuízos a ele acarretados; b) revogação da rescisão do contrato, sem prejuízo do recurso hierárquico encaminhado ao MEC; e, c) recontratação do professor pelo Departamento de Produção Animal.

Após ouvir as partes, a comissão propôs um acordo:

“a) contratação do professor Walter Motta, mediante proposta oriunda do Departamento de Produção Animal e observância dos trâmites legais e regimentais;

b) efetivação da contratação se e tão logo autorizada pelos colegiados competentes;

c) tramitação, dentro do menor prazo, da proposta de contratação referida no item a);

d) acatamento à liberdade do reitor de designar o professor contratado para realizar curso de pós-graduação ou participar de contrato ou convênio firmado com terceiro, compatível com a sua especialização;

e) cessação do Inquérito Administrativo contra 83 professores e cessação de qualquer atividade que se afaste da conduta universitária regular e que possa prejudicar, por qualquer forma, as atividades normais da Universidade.”

A Reitoria considerou o Termo aceitável, porém a Comissão de pais de alunos solicitou que fosse explicitado que as atividades voltariam ao normal após a contratação do professor Walter Motta.

O professor Jorge Ordaz, supervisor do MEC para o Ensino Superior, e o representante dos pais, o engenheiro Hélio Amorim, reuniram-se com o vice-reitor, que lhes disse textualmente: “a) o professor Walter jamais será recontratado pela Rural; b) nenhum Departamento proporá sua admissão; c) nenhum órgão colegiado aprovará tal admissão.”

Diante de tais afirmações, os representantes do MEC e dos pais perguntaram ao vice-reitor qual o significado, então, da assinatura do reitor no Termo de Acordo. O que foi respondido: “… o reitor não se oporia à contratação do professor Walter, caso as outras medidas fossem tomadas, mas que isso, evidentemente, nunca se daria.”

Os representantes dos pais, de comum acordo com o MEC, procuraram o chefe do Departamento de Produção Animal, Marcelo Mendes de Oliveira, para consultá-lo se ele assinaria o Termo de Acordo, como garantia para readmissão do professor Walter. O professor foi evasivo, disse que não estava acompanhado o assunto e esperaria uma orientação do Reitor. Logo depois, o representante dos país esteve com o Reitor, que ratificou as palavras do vice-reitor: o professor Walter “jamais seria readmitido na Universidade Rural”.

Diante do impasse, a comissão foi desfeita e a greve mantida.

Numa atitude isolada, um grupo de alunos enviou uma carta ao presidente João Batista Figueiredo pedindo sua mediação para solucionar a crise na Rural. Segundo eles “estão esgotadas todas as formas de negociação, entre os alunos e a Reitoria, e apelam para o reinicio das aulas.” O aluno Frank Garcia afirmou ao Jornal do Brasil: como apesar do Governo Federal ter escolhido a área agrícola como prioridade, a Universidade Rural, o maior instrumento da política educacional na área, permanece parada.

Segundo Adolfo Martins, do Jornal dos Sports, o deslocamento da reivindicação estudantil do Ministério para o Palácio do Planalto, aumentava o desgaste político do MEC que apesar de todas as gestões e tentativas, não conseguiu solucionar o problema da Universidade.

Com o prolongamento da greve e a falta de perspectivas, naturalmente surgiram divisões entre os alunos. Para o aluno de agronomia, Paulo Ribenboim, “o clima na Rural é de inteiro passionalismo e o fato de a maioria morar fora do Rio, contribuí para que a tendência estudantil que dirige o Diretório obtenha vitórias nas assembléias, prolongando a greve em prejuízo da maioria interessada em aulas”. Para outros, a maioria, a greve era justa, mas esgotara-se como forma de pressão, ressaltando no entanto a irresponsabilidade da administração.

Um grupo de alunos impetrou um Mandado de Segurança, onde alegavam estarem sendo impedidos de comparecer às aulas. O juiz da 9a. Vara Federal, Silvério Luiz Nery Cabral, negou o pedido. Tentaram então outra medida judicial, através de um pedido de “habeas-corpus”, julgado procedente pela Juíza da 4a. Vara Federal, Juliete Lung. Ta

Enquanto a Juíza da 4a. Vara Federal, concedeu o habeas-corpus a favor de um grupo de alunos contra a greve, o Juiz Mário Mesquita, concedeu um habeas-corpus para garantir que o reitor reiniciasse as aulas com apoio dos órgãos de segurança. Na sua fundamentação, justifica sua decisão: “(…) a ação de piquetes organizados por 100 alunos, deixa antever uma agressão perniciosa, que compete ao Poder Executivo coibir através da polícia e dos órgãos de segurança.”

A posição dos alunos e docentes, bem como do próprio Ministro da Educação, ficava cada vez mais enfraquecida. Os jornais do dia 26 de junho noticiavam seu pedido de demissão. Carlos Chagas, na sua coluna no Jornal do Brasil, noticiou que o ministro, Eduardo Portella, havia redigido uma carta de demissão, que não foi entregue, pois se o fizesse, teria sido aceita pelo presidente. Considerava ainda, que a situação do ministro ficara ainda mais vulnerável devido a greve dos estudantes da Rural.

“(…) forças estranhas envolveram-se, como sempre, oriundas de radicalismo opostos, uns tentando tirar partido da greve e promover agitação permanente, outros vislumbrando no cerne de tudo a infiltração subversiva

(…) Sua magnificência não concordou (com a readmissão),.aferrou-se aos que o sustentavam de Brasília, e o problema passou à esfera da Segurança Nacional (?), com os conhecidos órgãos de sempre recomendando até mesmo o fechamento da Universidade.

E concluiu: neste quadro, o caso específico da Rural, transformou-se num inequívoco termômetro para avaliar a consistência da política de abertura e de diálogo, reivindicada pelo Ministro Eduardo Portella. O episódio ganhou uma dimensão maior, exatamente por simbolizar um choque de diretrizes na condução da política educacional.

A impossibilidade efetiva do MEC ditar uma solução para o caso e a posição de intransigência assumida pela Universidade – escudada na autonomia universitária – colocavam em xeque os limites da política de distensão do governo. Houve setores do governo que endossaram a posição da Reitoria, em nome do “respeito à disciplina, à hierarquia e à autoridade universitária que, no entendimento dos adeptos dessa corrente, sairiam feridas se prevalecesse a posição pretendida pelos alunos e endossada pelo MEC.