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ADUR 45 Anos de Luta

A luta contra a demissão do professor Walter Motta Ferreira

Três meses depois de fundada, e antes mesmo da eleição da primeira diretoria, os acontecimentos na Universidade envolveram a ADUR numa longa mobilização contra a Reitoria. O motivo: a morte do estudante George Ricardo Abdala, atropelado na rodovia que passa em frente ao campus. Quase imediatamente os estudantes se mobilizaram, pedindo maior segurança no campus universitário, melhoria no atendimento médico e no Posto de Saúde. Olhando retrospectivamente, eram reivindicações banais, que poderiam ser resolvidas com relativa tranqüilidade. Os quinze anos de autoritarismo, tornaram-nas um desafio e uma razão para impedir que o movimento crescesse.

O professor Walter Motta Ferreira, envolvido pelo turbilhão, foi sumariamente demitido pelo Reitor, Arthur Orlando Lopes da Costa. O episódio tomou conta da universidade por quase um ano e sobre ele todos os membros da comunidade foram chamados a se posicionarem, assim como o próprio governo e a sociedade fluminense. A história da ADUR tem muito a ver com esses episódios e, em certo sentido, os alinhamentos na época ainda têm importância na política universitária de hoje.

Na noite do dia 20 de setembro de 1979, o estudante George Ricardo Abdala morreu vítima de um atropelamento na Rodovia Rio-São Paulo, no trecho entre a Rural (km 47) e o km 49, onde residiam boa parte dos alunos não alojados da Universidade. Como ocorre ainda hoje, este trecho é mau sinalizado e pouco iluminado.

Os alunos, sob o impacto da morte do colega e inconformados com os graves problemas de segurança, organizaram-se para reivindicar junto à Reitoria melhores condições de acesso à zona residencial (ciclovia e iluminação), policiamento mais efetivo e aumento do número de médicos no ambulatório da Rural. Foram formadas várias comissões para irem às salas de aula explicar as propostas e convocar para uma assembléia às 10 horas no Gustavão, no dia 21.

No Instituto de Zootecnia, um grupo de alunos foi parado pelo professor Walter Motta Ferreira quando iam entrar na sala do professor Edson de Assis Mendes, que ministrava a disciplina de Zootecnia II. Amigo particular do estudante morto, o professor, visivelmente em estado de tensão após ter passado à noite no velório, prevendo a possibilidade de ocorrer algum tumulto, propôs transmitir pessoalmente o aviso. Em troca, os alunos deveriam se retirar do Instituto. E assim ficou acertado. Porém, quando o professor Walter estava fazendo a comunicação, um dos alunos da comissão entrou na sala de aula e criticou o Serviço Médico da Universidade. O professor solicitou que o aluno se retirasse, pois já dera o aviso à turma.

O clima era de tensão, mais pela falta de prática no exercício democrático. Num gesto inesperado, os alunos da turma se retiram da sala de aula. O professor Edson comunicou o fato ao subchefe do Departamento de Produção Animal, professor José Alberto Baptista, que o aconselhou a permanecer em sala até o fim do período e lançar falta aos alunos que se retiraram. Na mesma tarde procurou ao professor Walter e o aconselhou a manter-se distante dos desdobramentos que os fatos teriam, o que foi aceito pelo professor.

No Encontro Nacional de Docentes, realizado em Salvador, havia sido marcado para o dia 26 de setembro o “Dia Nacional de Reivindicações Salariais, Trabalhistas e de Carreira nas Instituições de Ensino Superior”. E foi nesse mesmo dia que o professor Walter foi comunicado de sua demissão.

O diretor do Instituto de Zootecnia remeteu o pedido de demissão ao reitor, que sem sequer ouvir o professor envolvido e apurar os fatos, encaminhou para o departamento de pessoal a demissão. Surpreendido, o professor encaminhou ao reitor uma carta onde explicava os acontecimentos e solicitava a formação de comissão para apurar os fatos. O professor Arthur Orlando Lopes da Costa, Reitor, aceitou as ponderações e encaminhou ao diretor do Instituto de Zootecnia um ofício propondo a revogação da demissão:

“(…) As razões em que se arrima a defesa do docente em questão conduzem ao entendimento de que os fatos ocorridos e que deram origem ao Of. no. 344/79, dessa Diretoria, foram resultantes de inexperiência da parte do mesmo, não havendo, ao que parece, intenção de desrespeito à boa ordem e à disciplina interna da Unidade.

Por outro lado, temos recebido informações bastante positivas acerca do desempenho profissional do aludido docente, fato esse que nos inclina a acatar, em princípio, a retratação apresentada pelo mesmo, sem que isso represente qualquer embargo a entendimento em contrário que possa vir a ser defendido pela Direção do Instituto de Zootecnia.

O que não é aconselhável é a instituição da comissão proposta pelo mesmo, pois estamos certos de que a nada conduziria, como nos tem provado a experiência.

Esta é a posição da Reitoria. Se com ela concordar a direção do Instituto, poderá ser concedida nova oportunidade ao recorrente.”

O diretor não se mostrou sensibilizado e reafirmou sua disposição em demitir o professor.

“A demissão do Auxiliar de Ensino Walter Motta Ferreira teve uma repercussão entre os demais docentes daquela categoria e alunos do Instituto de Zootecnia. Sentiram esses grupos que a autoridade constituída não pode ser alvo de manifestações que afetam a disciplina e a hierarquia de uma Instituição.

O clima disciplinar desta Unidade que nos últimos meses apresentava-se abalada devido a ação maléfica, junto aos alunos, de alguns Auxiliares de ensino, retornou a normalidade depois da medida acauteladora adotada por Vossa Magnificência.

Pelo exposto, esta Diretoria lamenta profundamente ter que tomar a presente atitude ao opinar sobre o assunto, pedindo vênia a Vossa Magnificência para considerar desaconselhável a readmissão do requerente.”

A Reitoria, então, devolve o processo ao departamento de pessoal, que rescinde o contrato do professor. Tudo indica que a postura do reitor fora mera encenação. O próprio ofício do diretor do Instituto de Zootecnia, pedindo a demissão do professor, fora datilografado na única máquina elétrica IBM existente na Universidade, da Reitoria.

Mais do que o caso em si, a correspondência torna claro que estava em jogo duas questões: o sistema autoritário de gestão universitária, como de resto o do país, e a mobilização nacional dos docentes. Os professores das universidades públicas, na maioria federais autárquicas, estavam em plena campanha pela integração do então professor-colaborador e professor-horista no quadro funcional. O professor demitido era um dêles, e havia uma certa hierarquia funcional que vigorava no interior das universidades. Assim, a demissão, por um lado, reafirmava a postura autoritária de gestão e, por outro lado, rejeitava a absorção de professores extra-quadro.

Os tempos eram outros, embora a administração da Universidade tenha levado muito tempo para perceber.

Cerca de 300 alunos do Instituto de Zootecnia entraram em greve de protesto por 15 dias. A Associação dos Docentes passou a receber grande número de professores dos diferentes Institutos solicitando que fosse feita a defesa do professor. Na eleição para o conselho de Representante da ADUR, o professor Walter foi eleito representante dos professores do Instituto de Zootecnia, com 18 votos dos 19 sócios votantes do Instituto.

A Diretoria e o Conselho de Representantes da ADUR aprovaram uma moção de repudio e exigiram a revogação da demissão do professor.

“(…) Esta demissão é vista não só como ato injusto, tendo em consideração a dedicação e seriedade do docente em causa, como também uma ameaça à garantia de emprego de todos os professores contratados da UFRRJ, que constituem a grande maioria do corpo docente.

A ADUR considera que a maneira como foi encaminhada a demissão do professor WALTER representa um ato de cassação branca que não pode ser aceito em nossa Universidade, no momento em que as Associações de Docentes de todo o país se encontram empenhadas na luta contra as casacões brancas e explícitas e pela reintegração de todos os professores afastados por atos de exceção.”

A diretoria da ADUR e representantes do Instituto de Zootecnia procuraram novamente a administração. Após uma longa reunião, o reitor eximiu-se da responsabilidade e reiterou que a demissão só seria revogada se houvesse uma solicitação do Instituto de Zootecnia, “pois não poderia desprestigiar seu diretor de Instituto”.

Dirigiram-se para o Instituto de Zootecnia. E, para surpresa de todos, o diretor disse que o único que poderia resolver o caso era o reitor. No entanto, durante a entrevista, mostrou que não estava disposto a rever sua posição. Traiu-se ao contar sobre uma reunião entre uma comissão de alunos e alguns professores do Instituto. A comissão de alunos, segundo suas palavras, o invés de defender o professor Walter, o havia “entregado”. Perguntado sobre o significado deste “entregado”, o diretor disse ter ouvido de uma aluna que o professor Walter era um dos poucos professores naquele Instituto que “defendia os alunos”. Este argumento absurdo, deixou os membros da ADUR indignados.

Percebendo as manobras, os diretores da ADUR propuseram uma reunião conjunta entre o diretor do Instituto de Zootecnia e o reitor, que não foi aceita. Nesta altura dos acontecimentos, estava claro que não havia nenhuma intenção em rever a demissão. Mesmo assim, continuaram insistindo e foram procurar o professor Edson Assis Mendes, na sala de quem tudo começara. Depois, foram falar com o professor José Alberto Baptista, na época do incidente respondendo pela chefia do Departamento. O professor afirmou que “só tinha elogios ao professor Walter e que não havia pedido, por escrito ou oralmente, qualquer punição”. Desafiou-os a encontrarem no Departamento de Produção Animal algum registro de pedido de punição ao professor Walter.

Como é comum ocorrer na reconstrução histórica dos fatos, nas palavras dos envolvidos, parece que ninguém tinha responsabilidade pela demissão. No entanto, o professor continuava demitido.

Quanto mais a ADUR se posicionava, piores se tornavam suas relações com a Reitoria. A primeira das medidas adotadas contra a Associação foi negar a autorização para que a assembléia se realizasse no Gustavão. Em seu despacho, o reitor se explicava: “em face do comportamento da Associação não vê a administração como atender o pedido”. Até então, a administração nunca tinha negado autorização para a realização de atividades da Associação no interior da Universidade. De qualquer forma, a assembléia dos docentes foi realizada no anfiteatro Plínio Magalhães e aprovou:

1. Um manifesto de repudio sobre a punição arbitrária do professor Walter, para ser encaminhado ao presidente do Conselho Universitário da UFRRJ, ao Ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portela, e à Imprensa.

2. A contribuição mensal de cinqüenta cruzeiros por sócio, para constituir um fundo especial a fim de cobrir o salário do professor Walter durante a campanha por sua reintegração.

3. Permanecer em assembléia permanente e marcar nova reunião para o dia 29.11.79.

A proposta de retenção de conceitos dos alunos foi derrotada, mas o manifesto foi assinado por 228 dos 400 professores da universidade.

O manifesto foi entregue no dia 21 de novembro, ao presidente do Conselho Universitário. O reitor, Arthur Orlando Lopes da Costa, estava presente, além do vice-reitor, Vicente de Paulo Graça, do Decano de Extensão e da procuradora-geral, Maria Arruda Bacharat. Inicialmente foram relatadas as resoluções da assembléia. Havia tensão entre os presentes. O reitor fez uma longa exposição, após a qual a ADUR reafirmou seu interesse em apurar os fatos. O vice-reitor, Vicente de Paulo Graça, exaltou-se dando um tapa na mesa, afirmando que só se ouvia o ponto de vista da Associação. O reitor pediu calma, afirmando que o Manifesto era resultado de um ato emocional e que aguardaria os resultados da nova assembléia, marcada para o dia 29 de novembro. Ao mesmo tempo, proibiu a realização das assembléias no Campus da Universidade.

As associações de docentes de vários Estados, reunidas nos dias 21 a 23 de novembro, em Belo Horizonte, se solidarizaram com a ADUR. O caso começava a trilhar um rumo nacional.

No dia 29 de novembro, os professores da Rural se reuniram na sede do Clube Social, próximo ao Campus, e resolveram intensificar a campanha pela readmissão do professor. Foram dados uma série de encaminhamentos:

1. Proceder a levantamento de irregularidades e arbitrariedades praticadas na UFRRJ.

2. Apurar, junto ao corpo docente e discente do Instituto de Zootecnia, alegações feitas pelo diretor contra o professor Walter Motta Ferreira e constantes do Processo de punição.

3. Declarar o professor Nei Queiroz Silva, diretor em exercício do Instituto de Zootecnia, PERSONA NON GRATA e expressar ao Sr. Ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portela, a posição dos docentes da UFRRJ contrária à sua nomeação como diretor do Instituto de Zootecnia

4. Entregar através de uma comissão o Manifesto dos Docentes ao ministro.

5. Encaminhar recurso ao Conselho Universitário contra as decisões do Reitor de rescindir o contrato do professor Walter e de proibir a realização de assembléias da Associação campus da Universidade.

6. Permanecer em Assembléia Permanente.

A proposta de retenção dos conceitos finais dos alunos foi longamente debatida e novamente rejeitada.

No dia seguinte, os dirigentes da Associação, acompanhados de outros professores, estiveram com o Delegado Regional do MEC, a quem entregaram o Manifesto. Marcos Almir Madeira, recebeu a comissão e manifestou-se favorável às reivindicações dos docentes.

As decisões tomadas na assembléia do 6 de dezembro foram mais agressivas.

1. Retardar entrega de conceitos dos alunos até o prazo final, em 14 de dezembro de 1979.

2. Não entregar os conceitos, caso não fossem aceitas as reivindicações.

3. Não participar em cursos de férias e das matrículas.

4. Finalmente, paralisar atividades de lecionação em março de 1980, caso as reivindicações dos docentes não tenham ainda sido atendidas.