109 dias depois a greve chega ao fim
Eram 8 horas da manhã, do centésimo dia de greve. Um caminhão, cinco carros de patrulha e dois camburões da 2a. Cia. Independente da Polícia Militar de Queimados, além de quatro carros da Polícia Civil, invadiram o campus da Universidade. Ao todo, eram 50 policiais, dos quais 20 da tropa de choque, com capacete e viseiras. O vice-reitor, Vicente de Paulo Graça, se fez de desentendido. Disse ao Jornal do Brasil que “levou um susto” quando viu os policiais, “que devem ter sido requisitados pela Juíza Juliete Lung, da 4a. Vara Federal”. O despacho da Juíza, porém, apenas autorizou o reitor a chamar a polícia, caso necessário.
Não houve conflito. A ação da polícia limitou-se a identificação de alguns estudantes que se aproximavam do prédio da Reitoria e a apreensão de 40 exemplares do jornal interno dos alunos.
Em sua nota oficial, a ADUR criticou o pedido de habeas-corpus para garantir uma a suposta liberdade de locomoção. Os estudantes, dizia a nota, não estavam sendo impedidos de entrar em sala de aula pela ação de piquetes. Já os estudantes, ironicamente, numa faixa fixada na Universidade, agradeceram à presença da polícia “por nos proteger contra a Reitoria”. Em reação, os grevistas anunciaram o início de uma greve de fome, para a qual imediatamente 17 voluntários se apresentaram.
Finalmente, após 109 dias de greve, os estudantes decidiram retornar às aulas. A assembléia foi realizada na igreja do Cruzeiro, cedida pelo padre João Diniz, da Diocese de Itaguaí. Compareceram cerca de 600 alunos, embora a Universidade tivesse a época 4 mil 500 alunos matriculados. O problema é que não foi possível comunicar a maioria dos alunos que durante a greve não permaneceram no campus da Universidade, visto que o restaurante estava fechado.
O Padre João Diniz, que participou da assembléia, lembrou o seqüestro do jurista Dalmo Dallari, da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, e frisou que “a turma vai sempre em cima de quem quer lutar pela justiça e temos que olhar para isto com normalidade, pois quem luta é aquele que, entre a vida e morte, opta pela vida”.
O professor Jair Rocha Leal, presidente da ADUR, lembrou o papel desempenhado pela comissão de pais de alunos da Universidade. O professor Walter Motta, muito emocionado, de costas para uma imagem de Cristo, disse que só poderia citar uma passagem da Bíblia e, sob aplausos, repetiu: “Bem-aventurados os que têm sede de justiça”.
Os estudantes decidiram retornar às aulas no dia seis de julho de 1980, com uma cerimônia de hasteamento da bandeira nacional no pavilhão central da Universidade. Exigiam, no entanto, a saída dos militares do campus.
A assembléia dos estudantes estendeu-se por três horas e o fim da greve não foi contestado por nenhum dos presentes. De acordo com os relatos, o fim da greve era parte de um acordo com o MEC, que depois contratou o professor Walter Motta como consultor técnico da Comissão Especial de Ciências Agrárias. A Reitoria, por sua vez, assumiu o compromisso de refazer o calendário de maneira a não cancelar o semestre. O inquérito policial foi arquivado. Os inquéritos administrativos, que ficaram a cargo dos conselhos departamentais de cada Instituto, foram concluídos com resultados desfavoráveis aos 83 professores indiciados. Todos perderam os cargos de chefia e foram suspensos por 15 dias sem direito aos vencimentos.
A administração da Universidade não tirou nenhum ensinamento de todo o episódio. Continuou conduzindo-a como se nada houvesse mudado, nem no interior da Instituição, nem no país. Pouco mais de um mês do final da greve, em agosto de 1980, seguindo os trâmites vigentes, um Colegiado escolheu o nome seis candidatos para enviar ao MEC para que esse escolhesse o novo Reitor. Deste Colegiado, somente seis membros tinham sido indicado pelos professores e nenhum pelos alunos.
A ADUR defendeu a eleição direta, com a participação de todos os segmentos da comunidade universitária. Numa nota amplamente divulgada, descreveu o processo como uma forma de perpetuação no poder do mesmo grupo que vinha dirigindo a Universidade. Embora um tanto longa, vale sua transcrição:
“O primeiro nome da lista sêxtupla, FAUSTO AITA GAI, é o ex-reitor do qual o atual Reitor foi Vice-reitor. O atual Reitor, por sua vez, na época de sua indicação, foi o 1o. da lista sêxtuplo indicada pelo ex-reitor. Este ex-reitor, que foi também Vice-reitor do Reitor que o antecedeu, é o atual Decano de Assuntos Financeiros.
O segundo nome da lista, VICENTE DE PAULO GRAÇA, é o Vice-reitor do atual Reitor. Foi Diretor do Instituto de Zootecnia nas gestões do ex-reitor (atual 1o. nome da lista) e do atual Reitor.
O terceiro nome da lista, HENRIQUE BOSCHI, é o atual Diretor do Instituto de Ciências Humanas e ex-decano de Ensino de Graduação do atual Reitor.
O quarto nome da lista, HOMERO ROBERTO PASSOS WERNECK DE CARVALHO, vice-diretor “Pro-tempore” do Instituto de Ciências Exatas nomeado pelo atual Reitor, foi recentemente o presidente de duas das cinco comissões de inquérito administrativo instauradas contra 83 professores.
O quinto nome da lista, ALCIDES CALDAS, não leciona mais na UFRRJ. Sua indicação causou surpresa pois só é conhecido pelos seus ex-colegas de Departamento, uma vez que só vinha a Universidade uma vez por semana e não participava da vida universitária.
O sexto nome da lista, HERCÍLIO VATER FARIA, está vinculado à atual Administração por três vias. É Decano de Ensino de Graduação, o Coordenador do Programa Interinstitucional de Capacitação de Docentes (PICD) e presidente da Comissão de Contratação de Docentes da UFRRJ. Foi também membro de uma das comissões de inquérito contra os 83 professores.”
Enquanto o país ia, pouco a pouco, se desfazendo do entulho autoritário do regime militar, a Universidade adotava o caminho contrário. Em 1980, dois dias antes de deixar o governo o general Geisel extinguiu as Assessorias de Segurança e Informação (ASIs) nas Autarquias, Estatais e nas Universidades. O novo Reitor, Fausto Aita Gai, em abril de 1981, incluiu a Assessoria de Segurança e Informação (ASIs) no Regimento Interno da Universidade. Talvez este seja a atitude mais paradigmática da postura política dos dirigentes da Universidade naquela época. A internalização da ASI, em pleno processo democratizante, foi objeto de um artigo do professor Carlos Guilherme Mota. O professor, mostrava claramente que a abertura política ainda não havia chegado à universidade brasileira. Fato reconhecido por várias correntes de opinião e pelo próprio ministro da Educação e Cultura, Rubem Ludwig.
A postura conservadora da administração da Rural, no entanto, estava contra a maré. As mobilizações continuaram e aos poucos novos espaços de exercício democrático foram sendo alcançados. Em 1984, a comunidade acadêmica da Rural, liderada pela ADUR, organizou um processo eleitoral para escolha direta da lista sêxtupla para a Reitoria. Este processo contou com a participação de 93% da comunidade, votaram 2700 estudantes, 450 professores e 900 servidores. Concorreram 11 candidatos. Os seis mais votados para comporem a lista sêxtupla foram os professores Jair Rocha Leal, Antônio Constantino dos Santos, Manlio Silvestre Fernandes, Raimundo Brás Filho, Raul de Lucena Ribeiro e Roberto José Moreira. No entanto, a administração da Universidade desconheceu esta consulta e indicou através dos Conselhos superiores sua própria lista. Somente quatro anos depois a Rural incorporou o processo democrático de escolha dos seus dirigentes .